quarta-feira, janeiro 30, 2013

o vento








O vento vence
a ilusão de repouso.
E toca a grama
e limpa a cama
e vara a alma...




- Ah!

         o vento revira a alma!

terça-feira, janeiro 29, 2013

felicidade e vida


A felicidade é para os atrevidos
                                               da tristeza.
Viver é para quem ousa
                                   ser.
Vou contar para quem possa
                                           ouvidar:
viver é antes de tudo
                              crer,
viver é antes de tudo
                              acreditar
que vida mesmo já basta
                                    em si
e não nos basta
                     duvidar.


A felicidade é para o cultivo
                                         da espécie.
Para ser feliz não é preciso
                                         prece.
Amar é ser amor, não ser
                                     amante.
Amar precisa leveza
                             cortante,
muito carinho
                   impreciso
que é para precisar
                          mais carinho
e deitar olhos
                   mais brilhantes.


A felicidade é para perpetuar
                                           o instante.
A cada segundo a alma
                                  se expande.
Fluir é ser menos sólido,
                                   mais líquido.
Fluir é escorrer,deixar-se
                                      rio
que é para molhar, molhar
                                       as pedras,
molhar o mar com maquiavélicos
                                                    ciclos,
com cristais coloridos
                        de primavera. 

a palavra não adormece!


Não feche este livro de paisagens
encerrando um meio, um termo
entre palavras descontínuas.

A palavra não adormece!

Não feche estas mãos de sulcos
retidos no tempo.
Não tente matar o sonho:
de sua pele resiste a manhã
e os pássaros voam sobre seu repouso!

O vento traz os restos da rua,
da rota, do trilho, do corpo
que ainda roça anteontem.

Não feche... escreva!
desse ritmo de gestos imprecisos,
dessas anotações tardias
que soam silenciosas e breves,
nasce o reflexo do expurgo,
que se encerra em nós
tão feio e tão belo!

Não perca a fase da frase que os olhos se fendam
e rasgam roupas, cortam hipocrisias,
queimam mentiras tantas,
tamanhas
palavras
despidas
...
Não,
não feche o grande livro da vida!

A palavra,
a palavra não adormece!

quinta-feira, janeiro 24, 2013

por cada encaixe perfeito



uma sobre a outra, vai anoitecer
como se importasse a cor do céu
como se algo maior acontecesse
quando os dedos se cruzam, noite
cobrindo o que queima, o que inflama
gotículas de desejo e saliências

pernas são, braços são, corações são
possíveis de emaranhamentos atemporais
e sãos são dementes de solução fremente
febris deliram em medidas planas, alquimias
de luzes e sombras e sonhos de outro e um
desfazendo paranoicas delinquências 

um beijo, muitos beijos e línguas
trançando na roda dos mirantes fechados
rodopiando salivas e instantes voluptuosos
na penumbra de não serem escuros, movendo 
traços e cores, madrugando todas as manhãs
uma sobre a outra, por cada encaixe perfeito! 

Psiquê & Frenesi





Frenesi amou a Psiquê.
Ele o mar, ela a estrela,
tão distantes de vingarem 
tudo que lhes consumia a alma.
Então, não se sabe por que, 
numa integral desilusão, 
Frenesi refletia Psiquê 
dentro do seu coração.



Tantos beijos estelares
desfizeram-se nas águas frias,
 pela noite enamorados
criam que talvez um dia
eles pudessem ser de fato
o segredo do universo
na eternidade do espaço.

Psiquê era a ânsia da noite,
Frenesi o desespero do dia.
Este tempo do peito somente
prova que o amor vicia.
Isso quando as nuvens permitiam,
mas quando um sopro indiferente
declarava e eles sabiam:
nada é para sempre!

Foram as lágrimas de Psiquê
que num delírio astral
de desesperança lauta,
cobriram Frenesi de sal,
encheram-no de paixão.
O que seria da alma
se não fosse a tentação?

Frenesi tanto amou Psiquê,
que além, muito além da distância,
inexoravelmente aglutinada
tanta energia de repente,
como corpos inflamados de sonhar,
explodiu feito estrela cadente
e nasceu estrela-do-mar!



bárbara ramos



quarta-feira, janeiro 23, 2013

canção da praia virgem




Areia nua, clara, deserta
de passos, de restos, de sobras
pequenas conchas, a certa
altura: verde, das folhas, nas rochas.

Céu aberto quase sempre,
sol queimando o corpo exposto
vento dançando qual serpente:
lentes escuras sobre o rosto.

Mar verdejando os olhares
ondas: que te queres o tempo?
para todo e qualquer movimento 
sonhos perpendiculares.

Espuma, estiagem, a quebra 
deita toda a força sobre a pedra 
e a imagem refletida reverbera
o canto: fluído de uma espera.

Virgem, já não pareces, uma lenda 
nem tua areia, nem teu mar profundo
nem teu céu, nem tua espuma.
praia: lindo e pleno é o teu conjunto!





domingo, janeiro 06, 2013

a paixão segundo clarisse


“Meu segredo é a vida!"
Ângela Pralini





Eu me dôo,
eu me valho.
“É assim: ?”
Sou pedra rara,
sou mistura confusa:
gosto de estar jade,
gosto de sonhar topázio.
Há um certo gosto no acaso!
Eu reúno a alvura da aurora
com o êxtase provisório do ocaso
e subo e frijo e rezo.
Rezar me crê ereta
E eu tremo.
Há em mim uma variação do tremer
que me deixa em cacos,
que me converte em pedaços.
“É assim: ?”
Eu me pauso,
eu me retrato
em grafismo abstrato,
eu me exponho em camaïeu:
um jardim molhado,
um estado de coisa que abomina.
Eu mulher-coisa,
eu mãe-coisa,
musa coisada!
Eu que não caibo na casa, no carro,
                                        no relógio, na joia,
no gradil de ferro,
no medo de viver
e juro em tom acerbo
adoçar o meu segredo.
Eu saúdo o humorismo da borboleta,
eu me procuro na lata de lixo,
no grão da ampulheta,
na caixa de prata,
envolta em matón-de-malea,
no chiado da vitrola.
Eu procuro o meu abraço adstringente,
o meu toque emoliente,
o meu beijo estrugido.
Eu me vejo
e me arrepio.
Eu me elejo,
eu me elevo,
retiro os escombros
e me reconstruo.
Sou-existindo a vórtice que perturba,
Sou a ultra-luz,
o ultra-som,
o silêncio da natureza
em cores de lavrar:
verde-esmeralda, branco-gritante, azul-rei,
preto-severo, roxo-distante, amarelo-doido;
sou o vermelho-escarlate que mancha
                                                   a última carta,
a carta que nunca servirá
ao amado,
a carta que esconde as lágrimas
e que subverte a vontade de ser
indescritível.
Eu me calo,
eu me afasto
do fardo que e o meu corpo
e por vez,
por um instante eu fraquejo,
eu me aflijo,
mas assim: !
não desprendo meu segredo.
Eu me doo,
eu me valho.
Eu que me amo e não falo!

quarta-feira, janeiro 02, 2013

álbum antigo


A pouca luz, a pouca sombra,
o sopro poente fremi...
Essa presença, esse perfil,
esse movimento silencioso do tempo
torna perplexos-ecóicos
os sentidos do corpo.


Mesmo que as palavras
adormeçam suspiradas,
detenham-se em sonho
com soslaios rudimentos,
mesmo que a sinergia dos amantes
fecunde solos áridos
e lance anelos e rupturas
e negações concubinatas,
encolherás todas as fibras
à recrudescência das nuvens
para sorver suavemente
as líquidas quimeras do teu relicário.


Alada suspeitas Ismália e voas
ambivalente... sobre o éter,
sobre os medrantes estorvos
do que infinda nas mãos, nos olhos
e resta acre sobre os lábios
como sombra, como luz
como marcas e resquícios...
como o infinito...