sábado, junho 19, 2010

a Jose Saramago

Agora vais por aí! Encerro as mãos nalguma qualquer palavra tua, como uma palavra pronta às manhãs daquele que desde antes se perdeu e se encontrou tecendo sons, moldando sombras, cosendo ideias, deito os olhos em tua conversa afiada, tua política de cenários, tua matéria pulsando em ti e pressinto um susto de que vais, vais ao teu pensamento e no teu pensamento há um coração que ainda suspeita esse fervor, essa guerra que avança sobre o terno, nos teus óculos, nas tuas mãos barrocas, na tua cegueira, na tua razão, nos teus avisos, nos teus delírios, no teu egoísmo, no teu amor com o teu amor, no teu ódio com o teu ódio, vais por outro fado, por outro fardo, vais a forra com teu mais caduco amigo, com teu mais febril inimigo, com a palavra ao seu posto vais com a voz precisa romper a renúncia do curso, do discurso que se desprende afoito entre os lábios retos, com a lembrança de tua nuvem preferida, o verso de teus vazios, vais com teu desatino que fico um pouco com o teu Caim, já que sei seguirás à sempre porção de atrito que te tem adormecido em todas as horas dispersas e te tem despertado em gestos de poesia para as tuas mais delicadas sintaxes a que tenhas a caligrafia de seres que descuidamos reconhecer danos nos nossos passos, certas vertigens de depois, anúncios de desilusões, mas tua literatura dança a eterna música da alma; vais tua vida? não, a tua vida fica junto à vida da menina de cachecol, perto das dobras de Lisboa, no ventre do nascituro, entre tantas outras e outras e outras vidas que não deve ser a verdadeira verdade verdadeira essa tua derradeira palavra em que minhas mãos se postam.

terça-feira, junho 15, 2010

fragmentos

Como dizer ao pensamento: deixe-me um pouco
sobre o momento mais distante do horizonte!

...

Nesses traços deixe-me um vulto, sombra somente, imprecisa...
não quero nenhum descuidado dado aos meus olhos de amor!

domingo, junho 13, 2010

amor lunar

As folhas caem da lua,
de suas grandes árvores,
de suas florestas confusas.

O amor dorme baixinho
enrolada entre panos de inverno
e no coração bate sonhando.

Minha boca arrisca cantar
a alma de minha voz
e as folhas caem adormecidas!

terça-feira, junho 08, 2010

certo tempo

Certo tempo, não verso,
não lanço à luz
as velhas sombras.
Tempo
o amor desliza
o tato
aquecendo
os derradeiros ventos
do outono,
algum enlaço
de braços
envolvendo o coração
ao inverno
então
o verso
penetra o corpo
lentamente
e não se atreve
delicadamente
se afastar do beijo
e a folha
em branco espera
romper o silêncio!